2019-12-06
“Quem mora na rua há muito tempo não se acostuma em uma casa.” “Quem é viciado em substâncias químicas não quer morar em uma casa.” “Quanto mais tempo na rua, menor a chance de uma pessoa conseguir se adaptar em uma casa.”
Esses e outros mitos sobre pessoas em situação de rua caem por terra diante das evidências científicas do modelo Housing First, no Brasil chamado de Moradia Primeiro, apresentadas durante o Seminário Internacional Brasil – União Europeia sobre Moradia para População em Situação de Rua, nos dias 3 e 4 de dezembro, em Brasília.
O evento, organizado pelo no Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) e pela Delegação da União Europeia no Brasil (DELBRA), no âmbito de projeto apoiado pelos Diálogos Setoriais, contou com a participação de um dos pesquisadores pioneiros no estudo da metodologia Housing First na Europa, professor José Ornelas, do Instituto Universitário (ISPA) e da Associação para o Estudo de Integração Piscossocial (AEIPS) de Portugal, além de outros especialistas da Espanha e do Chile.
Para Ornelas, diferentemente do que se acreditou por muitos anos, “o que é complexo não é a situação dos sem abrigo nas cidades. O que é complexo é fazer com que os decisores políticos compreendam e decidam baseados na pesquisa, na evidência científica”.
“A evidência científica mostra que o modelo Housing First é a solução mais rápida, de custo-benefício mais baixo e com resultados extraordinários já estudados por várias universidades, tais como maior integração comunitária, maior bem-estar e satisfação pessoal, redução de sintomas de doenças mentais e redução do nível de dependência química e do álcool. Não é só uma casa, é uma casa que transforma e permite a recuperação total da pessoa que antes vivia sem abrigo”, afirmou o professor.
Na abertura do seminário, o representante a DELBRA, Costanzo Fisogni, falou sobre as iniciativas da UE para enfrentar o fenômeno das populações de rua. “A moradia não é apenas uma necessidade social, é um direito humano essencial. Isso fica ligado ao conceito de coesão social, que é muito importante para a UE. A crise financeira que atingiu o mundo em 2007 e 2008, teve impacto significativo em nossa sociedade. O fenômeno da população em situação de rua foi olhado com muito cuidado tanto pela Comissão Europeia quanto pelos Estados Membros individualmente. Tanto que em 2010 fizemos a Agenda Europa 2020, que entre vários temas tem como objetivo tirar 20 milhões de pessoas do risco de pobreza e exclusão social”, pontuou.
A perita portuguesa Teresa Duarte, contratada pelos Diálogos Setoriais para realizar um estudo sobre as experiências de Housing First na Europa, onde tanto a Comissão Europeia quanto os países membros individualmente adotam o modelo nas estratégias de programas criados para lidar com as populações em situação de rua. A especialista explicou que há todo um conjunto de custos associados às pessoas em situação de rua muitas vezes não contabilizado – com saúde, alimentação, sistema judiciário, equipes de rua, banheiros públicos, etc. “Portanto, gasta-se muito e não se resolve o problema central, pois as pessoas continuam nas ruas. O Housing First permite que esses recursos sejam investidos de maneira muito mais efetiva para resolver esse problema, dando às pessoas o que elas realmente querem, uma casa.”
Segundo Teresa, o modelo Housing First é o inverso da metodologia etapista – focada no assistencialismo e na qual a pessoa precisa passar por várias etapas até conseguir uma casa –, pois coloca a moradia como questão principal, dando acesso imediato a uma casa. “Para frequentar um abrigo coletivo, por exemplo, as pessoas não podem fazer uso de substâncias químicas. Muitas vezes, as pessoas também não querem ficar nesses lugares, pois não se sentem seguras. Isso perpetua o mito de que as pessoas não querem sair das ruas, que preferem a liberdade das ruas. Na verdade, ouvimos das pessoas que, ao conseguir uma casa, elas recuperam sua liberdade, a liberdade de decidir quando dormem, quando acordam, o que comem e como vivem. Na rua, as pessoas são condicionadas a sobreviver apenas, isso não é liberdade. O que as pessoas não querem é ir para espaços massificados.”
Esse diagnóstico se repete quando se analisa a realidade brasileira, segundo a perita Marina Moretto, que realizou um levantamento do histórico das políticas públicas voltadas para a população em situação de rua no país. “Pessoas que foram atendidas por programas que as retiraram das ruas relatam que passaram a se sentir mais tranquilas, seguras, menos preconceito, esperança e perspectiva de vida.”
Segundo Marina, são necessárias mais pesquisas no Brasil sobre a temática. “É importante implementar projetos pilotos para que possamos avaliar os impactos do Moradia Primeiro. Não é preciso esperar recursos para atender muitas pessoas. Podemos começar com pouco. A gente já dispende recursos para pessoas em situação de rua. O que precisamos é direcioná-los para termos mais efetividade.”
Por sua vez, Karinna Soto, do Ministério do Desenvolvimento Social e Família do Chile, destacou a importância de se adaptar o modelo Housing First para a realidade latino-americana. “Somos diferentes dos europeus e dos norte-americanos. A metodologia aqui precisa ter outro sabor, outro ritmo. Aqui as pessoas querem viver juntas, querem contato com seus vizinhos, querem ouvir música e sair para dançar e ter uma vida comunitária realmente ativa. Por isso o programa aqui tem um grande foco na integração social e comunitária das pessoas, e não apenas em sua vida dentro da nova casa.”
De acordo com Karinna, 30 pessoas são atendidas pelo Housing First no Chile, mas o programa deve chegar a 300 moradias em breve. “Também estamos apoiando a implantação em outros países vizinhos, como o Uruguai”, afirmou.
Já Vanesa Cenjor del Rey, da Fundação Hogar Sí, falou da experiência de Housing First na Espanha, onde a metodologia é aplicada pelo Home Yes por meio do programa Habitat, fornecendo ao indivíduo moradia individual e suporte profissional com base em suas necessidades e demandas, com 100% de sucesso em sua implementação.
“Nem o apoio nem a permanência na casa estão condicionados ao cumprimento dos objetivos anteriores da intervenção social, uma vez que é a pessoa que determina seus objetivos e o grau de apoio necessário para alcançá-los. O programa requer o acompanhamento de alguns compromissos básicos, como aceitar a visita periódica de um profissional e ter boas relações de vizinhança”, ressaltou Vanesa.
O seminário trouxe também experiências de Moradia Primeiro em municípios brasileiros. Tomás Gomes, do Instituto Nacional de Direitos Humanos da População de Rua (INRUA), falou sobre o projeto que está em início de implementação em Curitiba. Já Natan Katz, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, apresentou o programa da Prefeitura de Porto Alegre que dá moradia a pessoas em situação de rua.
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