2018-09-21
“De uma perspectiva ética, simplesmente não há espaço para desperdício de alimentos enquanto cerca de 800 milhões de pessoas no mundo passam fome.” A afirmação é do embaixador da União Europeia no Brasil, João Gomes Cravinho, na abertura do Seminário Internacional União Europeia – Brasil: Perdas e desperdício de alimentos em cadeias agroalimentares: oportunidades para políticas públicas.
O evento discutiu nesta quinta-feira (20), em Brasília, os resultados de uma pesquisa sobre hábitos de consumo e desperdício de alimentos que revelou que 41,6 quilos de comida são desperdiçados por pessoa a cada ano no Brasil. Diariamente, cada família brasileira joga fora 353 gramas, o que dá um alarmante total de 128,8 quilos de alimento que vão parar lixo.
Na liderança dos alimentos mais descartados estão o arroz (22%), a carne bovina (20%), o feijão (16%) e o frango (15%), presentes nas refeições da maior parte da população. Entre os motivos do desperdício apontados pelos pesquisadores está a busca pelo sabor e a preferência pela fartura dos consumidores brasileiros. O não aproveitamento das sobras das refeições é o principal fator para o descarte de arroz e feijão. Mais de 77% admitiram a preferência por ter sempre comida fresca à mesa, o que leva 56% delas a cozinhar em casa duas ou mais vezes por dia, contribuindo com a preservação da ideia de que “é sempre melhor sobrar do que faltar”.
“Essa busca pelo sabor e pelo frescor do alimento acaba tendo outro impacto que é o descarte de um excesso ou quando acontece algum evento que muda o planejamento da família”, disse Carlos Eduardo Lourenço, professor de marketing da Fundação Getúlio Vargas (FGV), consultor do projeto dos Diálogos Setoriais UE – Brasil e responsável pela equipe de análise dos dados do estudo. Como exemplo desses eventos, o pesquisador cita o caso de uma pessoa que, após um churrasco, acabou descartando quatro quilos de carne, ou ainda o caso de quem salgou demais o feijão durante o cozimento e acabou jogando tudo fora, em vez de tentar recuperar o alimento.
A necessidade de compras em grande quantidade, para manter a despensa abastecida, foi confirmada por 68% das pessoas que responderam à pesquisa e que, por sua vez, afirmaram, em 52% dos casos, achar importante o excesso. Os resultados mostraram que 61% das famílias priorizam uma grande compra mensal de alimentos, além de duas a quatro compras menores ao longo do mês. De acordo com os pesquisadores, esse hábito leva ao desperdício, pois aumenta a propensão de comprar itens desnecessários, especialmente quando a compra farta é combinada com o baixo planejamento das refeições.
Algumas contradições também aparecem entre o público pesquisado. Enquanto 94% afirmam ser importante evitar o desperdício de comida, 59% não dão importância se houver comida demais na mesa ou na despensa. “O brasileiro gosta de abundância, é muito comum na nossa cultura”, disse Lourenço.
Outra descoberta relevante é que 43% das pessoas concordam que “os conhecidos jogam comida fora regularmente”, mas quando abordado o comportamento da própria família o problema não aparece tanto. Segundo Lourenço, apesar do grande desperdício, o brasileiro tem a percepção do impacto social desse comportamento e parece ter um esforço de não desperdiçar. “Essa consciência aparece na pesquisa”, disse.
Segundo o analista da Embrapa Gustavo Porpino, líder do projeto dos Diálogos Setoriais, os dados reforçam a heterogeneidade do mercado consumidor, evidenciando que boa parte da amostra desperdiça pouco alimento, mas há um segmento que ainda desperdiça muito. “Renda e idade não explicam a diferença entre os que desperdiçam mais e os que desperdiçam menos alimentos, mas percebemos que as classes A e B têm maior tendência a desperdiçar hortaliças, até porque as classes de menor renda consomem pouco esse tipo de produto”, explica.
Políticas públicas
O seminário reuniu na Sede da Embrapa representantes do Governo Federal e de instituições estrangeiras, para debater formas urgentes de reverter o quadro, como a "Estratégia nacional de combate às perdas e ao desperdício de alimentos", recém-aprovada pela Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional.
“É preciso perceber que a complexidade da situação transcende o descarte dos alimentos que deixam de ser consumidos”, alertou o presidente da Embrapa, Maurício Lopes. “Trata-se do reflexo de um defeito no design do modelo econômico que se consolidou e que acaba tendo implicações em todas as demais dimensões, como a ambiental, que acaba despendendo energia para produzir um alimento que não é aproveitado.”
Para o embaixador Cravinho, o tema não tem audiência nos debates públicos como deveria ter, mas quando a perspectiva é de 10 bilhões de pessoas no planeta em 2050, é preciso pensar em formas de alimentar essas pessoas com alimentos seguros e nutritivos. “É fundamental que saibamos escolher políticas públicas que não nos obrigue a escolher entre alimentar o planeta ou salvar o planeta.”
Cravinho afirmou que o esforço de pesquisadores brasileiros em trabalhar no tema tem o apoio da UE. “Faz parte das nossas prioridades cooperar com o Brasil para enfrentar esse desafio, que, na verdade, é um desafio de todos”, disse, destacando o compromisso com o cumprimento das metas dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), que preveem a redução do desperdício em 50% até 2030.
Para o ministro do Meio Ambiente, Edson Duarte, é preciso atuar em todos os elos da cadeia: evitar que o produto fique no campo, com tecnologias e capacitações tecnológicas que aumentem a produtividade e preservem o meio ambiente; garantir que o alimento chegue à mesa do consumidor, com a comercialização in natura ou para agroindústrias; e educar as pessoas para ao consumo, para evitar o desperdício.
“Um terço de toda a produção agrícola está sendo desperdiçada, seja no pós-colheita, seja em toda a cadeia de alimentos. Se combatêssemos isso com efetividade, estaríamos combatendo a fome e diminuindo a pressão sobre nossas florestas e nossos recursos naturais”, disse.
Também estiveram na abertura do evento a secretária nacional de Segurança Alimentar e Nutricional do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), Lilian Rahal, o coordenador do Programa Agricultura e Alimentos da WWF, Edegar de Oliveira Rosa, e o diretor de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa, Celso Moretti.
Foram realizados painéis sobre políticas públicas para a segurança alimentar na América Latina (Andres Mejia Acosta, pesquisador do King's College London); políticas públicas e parcerias público-privadas para redução do desperdício: o caso da Suécia (professora Anita Lundström, da Agência de Proteção Ambiental da Suécia, e Johan Hultén, do Instituto sueco de Pesquisa Ambiental); estratégia brasileira para a redução de perdas e desperdício de alimentos (Kathleen Machado, MDS); e perspectivas futuras do projeto Diálogos Setoriais UE-Brasil sobre desperdício de alimentos (Aline Bastos, Embrapa Agroindústria de Alimentos). A apresentação dos resultados da pesquisa foi realizada por Lourenço e pela pesquisadora Luciana Vieira (FGV).
*Com informações da ASCOM da Embrapa e da Agência Brasil
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