2018-06-27
“Num lapso de apenas seis anos, as redes sociais passaram de uma ferramenta para o reforço da democracia para serem utilizadas no ataque às democracias.” A declaração do Embaixador João Gomes Cravinho, da DELBRA (Delegação da União Europeia no Brasil), resume a preocupação comum a todos os participantes do Seminário Internacional Brasil – UE Fake News: Experiências e Desafios, que defenderam o fortalecimento da imprensa e do jornalismo de credibilidade como principal instrumento de combate à disseminação de notícias falsas.
Durante a abertura do evento desta quinta-feira (21), que aconteceu no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), com suporte da Iniciativa de Apoio aos Diálogos Setoriais UE – Brasil, Cravinho ressaltou que, para manter um sistema democrático aberto, é importante que o governo, as empresas e os consumidores trabalhem juntos para combater a desinformação.
“Os governos devem promover a educação digital e o forte jornalismo profissional em suas sociedades. A indústria de notícias deve fornecer jornalismo de alta qualidade para construir a confiança pública e corrigir notícias falsas e desinformação sem legitimá-las. As empresas de tecnologia devem investir em ferramentas que identifiquem notícias falsas, reduzam os incentivos financeiros para aqueles que lucram com a desinformação e aprimorem a responsabilidade online”, afirmou.
Emmanuel Colombié, Diretor do Escritório América Latina, Repórteres sem Fronteiras, concorda que a saída deve ser construída com a imprensa. Ele relatou a construção do chamado Journalist Trust Initiative, uma parceria entre RSF e agências de notícias europeias, que tem como objetivo criar novos padrões de qualidade dos meios de comunicação com uma dinâmica baseada em recompensa, e não em punição.
"Seria uma espécie de lista branca dos meios de comunicação virtuosos. A ideia é chegar a um modelo de vantagens econômicas competitivas entre as partes: os poderes públicos dariam preferência em investir as verbas em meios idôneos e com melhor classificação; vantagens com anúncios publicitários e mais anunciantes; e as plataformas também poderiam oferecer algoritmos de maneira a beneficiar os meios virtuosos em um sistema de busca na internet, por exemplo. A ideia é, em vez de uma punição, criarmos uma certificação."
A definição do papel das plataformas digitais é apontada pelo especialista alemão Martin Emmer, professor da Freie Universität – Berlim, como fundamental no combate às Fake News. Segundo ele, esse debate deve ser feito antes de se pensar em legislação. “Esses atores são tão novos em nossa esfera pública que ninguém ainda realmente definiu onde começam e terminam as responsabilidades dessas plataformas se comparada com os meios tradicionais."
Emmer afirma ainda ser preciso lidar com o monopólio. “Se o Facebook deletar um conteúdo, a ação é global, e não é assim que deve ser. Se por um lado o Facebook não é um Publisher, mas apenas uma plataforma que permite a publicação de conteúdo, por outro, a rede social interfere e muito em como a informação se apresenta. Os algoritmos interferem no que é mais visível e no que não é. Nesse sentido, eles são meio editores, e isso é muito difícil de ser avaliado apenas da perspectiva da legalidade. É preciso reavaliar o papel muito básico da mídia que tivemos até hoje”, defendeu Emmer.
O especialista francês Christophe Leclercq, fundador da EURACTIV e membro do High Level Group sobre Fake News da Comissão Europeia, acredita ser crucial restaurar o equilíbrio entre os meios de comunicação e as plataformas digitais. Citando o ministro Luiz Fux, presidente do TSE, “é combater fake news com mais jornalismo e mais imprensa”.
“Oferecer suporte à imprensa significa inclusive investir em educação executiva para jornalistas. Bilhões de euros são investidos nos programas científicos internacionais, mas somente uma pequena parte vai para a área de mídia. Isso precisa mudar”, disse Leclercq, que defende ainda o investimento em checagem de fatos, os factcheckers, como uma das principais armas no combate à desinformação.
De fato, Danilo Montesi, professor titular da Universidade de Bologna (Itália), aponta justamente a ausência de checadores de informação na internet como um dos motivos para proliferação de notícias falsas. “As plataformas de mídia sociais são um veículo apropriado por meio do qual as Fake News mais facilmente se espalham porque todos os usuários podem ser um pouco jornalistas e não há terceiros encarregados pelo factchecking.”
Montesi estuda meios de proteção de conteúdo como uma resposta às desinformações. “Em um extremo há a criptografia como o principal deles ou a mais forte. Em outro, as plataformas de conteúdos abertos. Entre os dois níveis, a gestão de direitos autorais digitais e a possibilidade de inserção de marcas d’água digitais (que são informações digitais escondidas ou embarcadas). Mas não funcionam nas mídias sociais por causa dos filtros. Então, nós decidimos criar um novo método para inserção de marca d’água nos textos: uma solução chamada homoglifos para proteção de conteúdo de texto. Os homoglifos são determinados símbolos que podem substituir outros símbolos semelhantes, com renderização igual, mas que tem seu código subjacente, "ASKA", diferente. É adequado para notícias digitais, que podem ser aplicadas, reaplicadas e ainda assim serão protegidas e identificadas.”
Já para Gianluca Liva, jornalista científico e integrante da Associação de Factcheckers da Itália, o combate às Fake News passa pela conscientização do cidadão para formação de seu senso crítico. A solução encontrada pela associação foi desenvolver um jogo que estimula os jovens a checarem a veracidade de uma notícia buscando informações na Internet. “A conclusão do jogo não é a solução em si, mas sim cada aluno aprender a estabelecer seu viés de confirmação ou de desmentido.”
Esse exercício é bem semelhante ao dia a dia de um factchecker relatado por David Fernandez, responsável pelas ferramentas tecnológicas da Maldita.es. “Temos uma rede muito forte, em páginas web e nas redes sociais. Todos os dias, encontramos com 30 a 40 jornalistas – repórteres que trazem notícias que podem ser falsas e designa-se um responsável por orientar a pesquisa para desmentir ou validar a informação. Os membros da equipe podem fazer perguntas que fundamentem a avaliação e não deixem nenhuma ponta solta. Analisamos e decidimos em conjunto por uma maioria na agência quando publicamos finalmente nosso feedback”, contou.
Parceria UE – Brasil
O ministro Luiz Fux, que elegeu o enfrentamento às Fake News nas eleições 2018 como principal bandeira de seu mandato na presidência do TSE, afirmou que a realização do seminário internacional com a presença de representantes de diversos setores, e de países distintos, traz uma salutar pluralidade ao debate, e é fundamental para aportar dados e reflexões e para aprendermos com as experiências de outros sistemas eleitorais.
Na mesma linha, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, ressaltou que o diálogo entre os países deve ser comemorado porque a troca de ideias favorece a busca de soluções. Ela lembrou que somente democracias consolidadas encaram as Fake News como um problema. “Antever o risco de eleições justas e livres serem afetadas por práticas maliciosas de desinformação social é uma amostra que este tribunal dá, assim como a União Europeia, de previdência e zelo, e também de demonstração explícita de que se vive, no Brasil, uma democracia fundada no exercício pleno de liberdade”, afirmou.
Completando a mesa de abertura do seminário, o presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Cláudio Lamachia, defendeu que “a inclusão da sociedade no debate acerca das Fake News e a troca de experiências entre Brasil e países europeus são relevantes iniciativas para que possamos progredir”.
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